sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Poesia Adélia Prado

MOTIVO
Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.
Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.
Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou se desfaço,
- Não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.
Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno e asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
- mais nada.
Cecília Meireles
Adélia prado em sua palestra no programa sempre um papo mostra o poder humanizador da poesia entre outras coisas. O texto acima se intertextualiza com a palestra por mostrar que a poesia "Tem sangue eterno", a poesia ( textos, telas ,filmes,livros...) nunca morre, e além de imortal não é cansativa e sim um deleite.
O texto também nos remete a questão do poeta ser finito e a poesia infinita, pois o poeta morre e sua obra permanece eterna, como por exemplo o quadro A monalisa de DaVinci que é uma das maiores e mais belas telas produzidas até hoje, mesmo que DaVinci tenha morrido há muito tempo.
Outro ponto comum entre o texto e a palestra é que ambos falam da inspiração, do motivo pelo qual o poeta escreve, sendo esta inspiração algo místico e incontrolavel sendo de natureza espontanêa.

segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Repressão e preconceito - FERREIRA GULLAR

VAMOS FALAR a verdade: a sociedade em que vivemos é pura repressão. Já foi pior, claro, muito pior. Houve tempo em que as mulheres não podiam mostrar nem o pé, quanto mais as coxas ou a barriguinha, como mostram hoje. Naquela época, os homens apenas imaginavam como seria o corpo da mulher com quem iam se casar. Hoje, podem vê-lo inteiro, da barriga às nádegas, com exceção talvez do púbis. Por que a repressão? Por mero preconceito, pelo propósito moralista que tomou conta da sociedade.

Não nascemos nus? Por que então temos de andar cobertos de roupas, que nos escondem o corpo? Disse que hoje as mulheres mostram quase tudo, mas isso na praia, porque, fora de lá, escondem quase tudo. Claro, não como antigamente, quando tinham que se cobrir de saias e mais saias, blusas e corpetes.

E os homens? Esses, coitados, tendo que imitar os hábitos europeus, sufocavam dentro de roupas pesadas, paletós e coletes. O calor insuportável terminou por obrigá-los a aliviar a vestimenta, mas, até hoje, homem que se respeita usa paletó e gravata. Às vezes, alguns tiram a gravata, mas dificilmente tiram o paletó, a camisa, as calças; a cueca, então, nem pensar. Por que não podemos andar nus como os índios? Não nascemos nus? Nos países frios, no inverno, admito, não dá para abandonar as roupas, mas, nos trópicos, as roupas são a expressão dos preconceitos morais e da repressão religiosa. Os únicos que se aventuram a ficar nus em pêlo são os nudistas, mas apenas em certas praias, e não por culpa deles; por culpa, sim, da hipocrisia social que obrigaria a polícia a prendê-los. Por que não se pode entrar nu num banco, já que obscenidades maiores são lá praticadas com permissão da lei?

A verdade é que a repressão está presente em todos os momentos de nossa vida. E de tal modo introjetou-se em nós que, quase automaticamente, vamos impondo-a sobre cada pessoa, mal começa a entender as coisas. Não pode pôr a mão na boca, o dedo no nariz, juntar a chupeta do chão e chupá-la, trepar na cadeira de balanço, aproximar-se do fogão, brincar com faca e tesoura, chupar bola de gude. Não pode nada, nada! Além disso, tem de obedecer aos mais velhos -mesmo os que tenham mais de 30 anos-, aturar as gaiatices dos irmãos, apanhar sem revidar etc. Em seguida, vem a fase escolar, que nos obriga a soletrar, decorar, aprender a ler, a escrever, a contar, a dividir, a multiplicar. Ou seja, o sujeitinho que nasce livre é transformado em outra pessoa, metido numa camisa-de-força, engessado, robotizado. E se se rebela, paga caro; conforme seja, cortam-lhe a mesada; se insiste, termina internado ou preso, vira bandido. E depois reclamam que o cara virou bandido! Se ele gosta de birita, maconha, cocaína, crack ou ecstasy, é problema dele. Mas não, pai, mãe, polícia, a sociedade inteira se volta contra ele. E depois ainda se tem o desplante de afirmar que vivemos numa democracia. Como democracia, se o cara tem que se sujeitar às imposições sociais? Por quê? Se o cara cheira, fica doidão e sai assaltando os caretas, é problema dele. O assaltado que se vire. Eu gostaria de saber por que esse preconceito contra quem gosta de drogas. Não tem gente que gosta de alpinismo, de asa-delta, de mascar chiclete, comer chocolate, malhar na academia? E então? Cada um nasce com suas manias e preferências, que devem ser respeitadas pelos demais, do contrário não se pode falar que vivemos numa sociedade que respeita os direitos dos cidadãos.

A verdade é que não respeita. Nem o poderia, uma vez que quase nunca as normas sociais coincidem com as necessidades e desejos das pessoas. Por exemplo, se o cara tem preferências sexuais, que escapam ao que se chama de normalidade, está sujeito, conforme o caso, a condenações judiciais ou até linchamento por parte dos fanáticos defensores daquelas normas. Se o sujeito nasceu pedófilo, por que sua preferência sexual é considerada crime? Por que punir alguém que apenas obedece a impulsos inatos que lhe são impostos pela natureza?

Está tudo muito errado. Por razões que ignoro -mas que refuto liminarmente-, os homens escolheram reprimir seus desejos mais genuínos e seu modo espontâneo de vida em função de normas, disciplina, valores que, como observou Nietzsche, só favorecem os fracos e covardes. Só esses necessitam de leis repressoras para compensar a natural superioridade dos fortes.

Agora, se alguém me pergunta se permito que defequem em minha sala e não no vaso do banheiro, respondo que devem fazê-lo no vaso. E que dêem a descarga, certo?

Os pés do Dr. Ebbesmeyer - Luis Fernado Veríssimo

Não sei se você leu. A polícia de Vancouver, no Canadá, está investigando um mistério: o aparecimento de três pés humanos em praias de ilhas da região, num curto espaço de tempo. Pés direitos. E os três vestindo tênis. Não foi revelada a marca dos tênis, talvez para não alimentar a hipótese de se tratar do lançamento de alguma campanha publicitária macabra (“Você se decompõe, seu tênis não”, ou “Não caia na água sem eles”).

São muitas as especulações sobre a origem dos pés. Seriam de vítimas de afogamento ou acidentes de barco ou avião. Só os pés teriam sobrado depois que a água e os peixes acabaram com o resto. Ou seriam vítimas de algum matador e desmembrador em série. É possível que já estejam procurando fetichistas conhecidos com serra elétrica em casa. Não sei.

O que mais me intrigou na notícia foi o depoimento de um professor de Oceanografia da Universidade de Washington chamado Curtis Ebbesmeyer, descrito como um especialista em objetos flutuantes. O Dr. Ebbesmeyer não tinha opinião sobre de onde saíram os três pés mas tinha uma explicação para o fato de serem só pés direitos. Pelo formato dos tênis, os de pé direito flutuam naturalmente para um lado, os de pé esquerdo para o outro. Assim, não é improvável que apareçam pés esquerdos correspondentes aos pés já descobertos, mas em praias opostas, apesar de terem a mesma origem. Como autoridade em objetos flutuantes, o Dr. Ebbesmeyer tem a teoria pronta para sustentar sua tese.

Não sei que cara tem o professor, ou que ator o interpretaria quando fizessem o filme, mas posso imaginar as gozações que ele sofria no meio acadêmico por causa da sua especialização e das suas teorias. Aquela sua idéia de que um hipotético par de tênis posto numa superfície de água se separará, e flutuará um para um lado e outro para o outro de acordo com o seu formato, devia valer algumas piadas condescendentes para o velho Curtis, que nunca antes na sua carreira fora consultado sobre sua obsessão, as idiossincrasias dos objetos flutuantes. Até surgir o mistério dos pés direitos para consagrá-lo.

Ou então o próprio Dr. Ebbesmeyer teria, um dia, decidido mostrar aos incrédulos que o atormentavam que sua teoria não era risível, que ele não era o louco que imaginavam. E providenciara os pés para o seu experimento.

Eu, se fosse a polícia canadense, veria se o Dr. Ebbesmeyer não tem uma serra elétrica.

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

YIN-YANG



O I CHING descobriu que todas as formas de energia possuem 2 extremos e identificou-os como YIN e YANG.
No desenho acima, o ideograma à esquerda representa o YIN, a escuridão e o à direita o YANG, a claridade. Erroneamente representados, por muitos autores, pelo LUA e pelo SOL.
A luz, que é energia luminosa, pode se apresentar muito intensa, é o YANG, ou muito fraca, será o YIN.
A altura, que é energia potencial, pode ser bem alta, seria o YANG ou bem baixa, seria o YIN. Lugares altos como planaltos e topo de subidas, montanhas apresentam muita energia YANG, enquanto que lugares baixos, fundos de vale, proximidade de rios apresentam muita energia YIN.
O andar superior de um sobrado tem mais energia YANG enquanto que o andar de baixo tem mais energia YIN.
Para você descobrir se o que você está pensando são os extremos YIN e YANG de uma mesma energia, aplique a Regra Básica do YIN-YANG:
Quanto mais YIN, menos YANG e quanto mais YANG, menos YIN.
Exemplo: Escuridão e Claridade são os extremos YIN e YANG da energia luminosa, pois quanto mais claro será menos escuro e quanto mais escuro será menos claro.
Alto e Baixo são os extremos YIN e YANF da energia potencial, pois quanto mais alto será menos baixo e quanto mais baixo será menos alto.
Da mesma forma, Duro e Mole, Forte e Fraco, etc.
Muito cuidado com certas associação do YIN-YANG que se fazem por aí, como a associação com HOMEM e MULHER, dizendo que YANG é Homem e YIN, Mulher. Isso é uma comparação grosseira e equivocada feita por algumas pessoas que não conhecem as bases do I CHING.

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

REDAÇÃO NO CONCURSO DA Volkswagen

Num processo de seleção da Volkswagen, os candidatos deveriam responder
a seguinte pergunta:"Você tem experiência?"

http://fernandodantas.spaces.live.com/blog/cns!24E96BF68B43446C!648.entry

Vejam, vale à pena!

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Poesia Matemática

Às folhas tantas Do livro matemático Um Quociente apaixonou-se Um dia Doidamente Por uma Incógnita. Olhou-a com seu olhar inumerável E viu-a, do Ápice à Base, Uma Figura Ímpar; Olhos rombóides, boca trapezóide, Corpo otogonal, seios esferóides. Fez da sua Uma vida Paralela a dela Até que se encontraram No Infinito. "Quem és tu?"indagou ele Com ânsia radical. "Sou a soma dos quadrados dos catetos. Mas pode me chamar de Hipotenusa." E de falarem descobriram que eram - O que, em aritmética, corresponde A almas irmãs - Primos-entre-si. E assim se amaram Ao quadrado da velocidade da luz Numa sexta potenciação Traçando Ao sabor do momento E da paixão Retas, curvas, círculos e linhas sinoidais. Escandalizaram os ortodoxos das fórmulas euclideanas E os exegetas do Universo Finito. Romperam convenções newtonianas e pitagóricas. E, enfim, resolveram se casar Constituir um lar. Mais que um lar, Uma perpendicular. Convidaram para padrinhos O Poliedro e a Bissetriz. E fizeram planos, equações e diagramas para o futuro Sonhando com uma felicidade Integral E diferencial. E se casaram e tiveram uma secante e três cones Muito engraçadinhos E foram felizes Até aquele dia Em que tudo, afinal, Vira monotonia. Foi então que surgiu O Máximo Divisor Comum Freqüentador de Círculos Concêntricos. Viciosos. Ofereceu-lhe, a ela, Uma Grandeza Absoluta, E reduziu-a a um Denominador Comum. Ele, Quociente, percebeu Que com ela não formava mais Um Todo, Uma Unidade. Era o Triângulo, Tanto chamado amoroso. Desse problema ela era a fração Mais ordinária. Mas foi então que o Einstein descobriu a Relatividade E tudo que era expúrio passou a ser Moralidade Como, aliás, em qualquer Sociedade.
Millôr Fernandes

A barca

Meu coração é uma barca
Que não sabe navegar

Fernando Pessoa

Chapeuzinho Vermelho


Era uma vez (admitindo-se aqui o tempo como uma realidade palpável, estranho, portanto, à fantasia da história) uma menina, linda e um pouco tola, que se chamava Chapeuzinho Vermelho. (Esses nomes que se usam em substituição do nome próprio chamam-se alcunha ou vulgo). Chapeuzinho Vermelho costumava passear no bosque, colhendo Sinantias, monstruosidade botânica que consiste na soldadura anômala de duas flores vizinhas pelos invólucros ou pelos pecíolos, Mucambés ou Muçambas, planta medicinal da família das Caparidáceas, e brincando aqui e ali com uma Jurueba, da família dos Psitacídeos, que vivem em regiões justafluviais, ou seja, à margem dos rios. Chapeuzinho Vermelho andava, pois, na Floresta, quando lhe aparece um lobo, animal selvagem carnívoro do gênero cão e... (Um parêntesis para os nossos pequenos leitores — o lobo era, presumivelmente, uma figura inexistente criada pelo cérebro superexcitado de Chapeuzinho Vermelho. Tendo que andar na floresta sozinha, - natural seria que, volta e meia, sentindo-se indefesa, tivesse alucinações semelhantes.).Chapeuzinho Vermelho foi detida pelo lobo que lhe disse: (Outro parêntesis; os animais jamais falaram. Fica explicado aqui que isso é um recurso de fantasia do autor e que o Lobo encarna os sentimentos cruéis do Homem. Esse princípio animista é ascentralíssimo e está em todo o folclore universal.) Disse o Lobo: "Onde vais, linda menina?" Respondeu Chapeuzinho Vermelho: "Vou levar estes doces à minha avozinha que está doente. Atravessarei dunas, montes, cabos, istmos e outros acidentes geográficos e deverei chegar lá às treze e trinta e cinco, ou seja, a uma hora e trinta e cinco minutos da tarde".Ouvindo isso o Lobo saiu correndo, estimulado por desejos reprimidos (Freud: "Psychopathology Of Everiday Life", The Modern Library Inc. N.Y.). Chegando na casa da avozinha ele engoliu-a de uma vez — o que, segundo o conceito materialista de Marx indica uma intenção crítica do autor, estando oculta aí a idéia do capitalismo devorando o proletariado — e ficou esperando, deitado na cama, fantasiado com a roupa da avó.Passaram-se quinze minutos (diagrama explicando o funcionamento do relógio e seu processo evolutivo através da História). Chapeuzinho Vermelho chegou e não percebeu que o lobo não era sua avó, porque sofria de astigmatismo convergente, que é uma perturbação visual oriunda da curvatura da córnea. Nem percebeu que a voz não era a da avó, porque sofria de Otite, inflamação do ouvido, nem reconheceu nas suas palavras, palavras cheias de má-fé masculina, porque afinal, eis o que ela era mesmo: esquizofrênica, débil mental e paranóica pequenas doenças que dão no cérebro, parte-súpero-anterior do encéfalo. (A tentativa muito comum da mulher ignorar a transformação do Homem é profusamente estudada por Kinsey em "Sexual Behavior in the Human Female". W. B. Saunders Company, Publishers.) Mas, para salvação de Chapeuzinho Vermelho, apareceram os lenhadores, mataram cuidadosamente o Lobo, depois de verificar a localização da avó através da Roentgenfotografia. E Chapeuzinho Vermelho viveu tranqüila 57 anos, que é a média da vida humana segundo Maltus, Thomas Robert, economista inglês nascido em 1766, em Rookew, pequena propriedade de seu pai, que foi grande amigo de Rousseau.
Millôr Fernandes

segunda-feira, 27 de julho de 2009

Uma pena...








É uma pena que um país, como o Brasil, que tem tudo para ser "desenvolvido" e deixar de ser "subdesenvolvido" tenha tanta corrupção.

sábado, 25 de julho de 2009

Fantastica Mafalda


A triste partida


Setembro passou, com oitubro e novembro
Já tamo em dezembro.
Meu Deus, que é de nós?
Assim fala o pobre do seco Nordeste,
Com medo da peste,
Da fome feroz.
A treze do mês ele fez a experiença,
Perdeu sua crença
Nas pedra de sá.
Mas nôta experiença com gosto se agarra,
Pensando na barra
Do alegre Natá.
Rompeu-se o Natá, porém barra não veio,
O só, bem vermeio,
Nasceu munto além.
Na copa da mata, buzina a cigarra,
Ninguém vê a barra,
Pois barra não tem.
Sem chuva na terra descamba janêro,
Depois, feverêro,
E o mêrmo verão
Entonce o rocêro, pensando consigo,
Diz: isso é castigo!
Não chove mais não!
Apela pra maço, que é o mês preferido
Do Santo querido,
Senhô São José.
Mas nada de chuva! ta tudo sem jeito,
Lhe foge do peito
O resto da fé.
Agora pensando segui ôtra tria,
Chamando a famia
Começa a dizê:
Eu vendo mau burro, meu jegue e o cavalo,
Nós vamo a São Palo
Vivê ou morrê.
Nòs vamo a São Palo, que a coisa tá feia;
Por terras aleia
Nós vamo vagá.
Se o nosso destino não fô tão mesquinho,
Pro mêrmo cantinho
Nós torna a vortá.
E vende o seu burro, o jumento e o cavalo,
Inté mêrmo o galo
Vendêro também,
Pois logo aparece feliz fazendêro,
Por pôco dinhêro
Lhe compra o que tem.
Em riba do carro se junta a famia;
Chegou o triste dia,
Já vai viajá.
A seca terrive, que tudo devora,
Lhe bota pra fora
Da terra natá.
O carro já corre no topo da serra.
Oiando pra terra,
Seu berço, seu lá,
Aquele nortista, partido de pena,
De longe inda acena:
Adeus, Ceará!
No dia seguinte, já tudo enfadado,
E o carro embalado,
Veloz a corrê,
Tão triste, o coitado, falando saudoso,
Um fio choroso
Escrama, a dizê:
- De pena e sodade, papai, sei que morro!
Meu pobre cachorro,
Quem dá de comê?
Já ôto pergunta: - Mãezinha, e meu gato?
Com fome, sem trato,
Mimi vai morrê!
E a linda pequena, tremendo de medo:
- Mamãe, meus brinquedo!
Meu pé fulô!
Meu pé de rosêra, coitado, ele seca!
E a minha boneca
Também lá ficou.
E assim vão dexando, com choro e gemido,
Do berço querido
O céu lindo e azu.
Os pai, pesaroso, nos fio pensando,
E o carro rodando
Na estrada do Su.
Chegaro em São Paulo - sem cobre, quebrado.
O pobre, acanhado,
Percura um patrão.
Só vê cara estranha, da mais feia gente,
Tudo é diferante
Do caro torrão.
Trabaia dois ano, três ano e mais ano,
E sempre no prano
De um dia inda vim.
Mas nunca ele pode, só veve devendo,
E assim vai sofrendo
Tormento sem fim.
Se arguma notícia das banda do Norte
Tem ele por sorte
O gosto de uvi,
Lhe bate no peito sodade de móio,
E as água dos óio
Começa a caí.
Do mundo afastado, sofrendo desprezo,
Ali veve preso,
Devendo ao patrão.
O tempo rolando, vai dia vem dia,
E aquela famia
Não vorta mais não!
Distante da terra tão seca mas boa,
Exposto à garoa,
À lama e ao paú,
Faz pena o nortista, tão forte, tão bravo,
Vivê como escravo
Nas terra do su
Composição: Patativa do Assaré

Língua Portuguesa e o Estrangeirismo

A língua portuguesa se parece muito com o Brasil cosmopolita. Nosso país abriga pessoas, que já formaram gerações, de diversas regiões do mundo – a nossa miscigenação tão falada. O paralelismo entre a nação e a língua é justamente pela introdução de fatias de outras culturas.
Quanto aos estrangeirismos, algumas expressões já foram “abrasileiradas”, como o caso do verbo ‘deletar’. Outras são usadas do jeito original, como fast-food, overbook e outras expressões que facilmente poderiam ser trocadas por um similar nacional, mas que insistem em permanecer como exceções à regra.
O Projeto de Lei 1676, de 1999, de autoria do deputado Aldo Rebelo, procura eliminar o uso desnecessário dessas expressões, na tentativa de valorizar a língua nacional. A polêmica em cima disso reside no seguinte questionamento: é realmente necessário proibir por lei o estrangeirismo? Se for o caso, a lei surtirá efeito?
Na minha opinião, a resposta para ambas as perguntas é ‘não’. Primeiramente, mesmo sendo contra o uso excessivo de estrangeirismos, não considero válida a criação de uma lei para este fim. Cada um deve usar ou não a língua portuguesa por uma questão moral, e não legal. Além do mais, a língua é um importante “indicador de soberania cultural”, por isso, se o português está desvalorizado, não será uma lei que reverterá este problema.
Todavia, lamento pelo excesso de expressões inúteis que encontramos na publicidade, tanto de TV quanto em outdoors (esta palavra já é praticamente consagrada no idioma), e também no mundo de negócios. Expressões toscas como go ou not go são totalmente descartadas.
O motivo da valorização de estrangeirismos, em especial de origem norte-americana, é o contato cotidiano com o inglês, devido à globalização, que gerou uma certa idéia de status (outra expressão estrangeira), assim, parece mais fino falar pelas expressões que exigem uma ‘forçadinha’ no sotaque. Além do mais, demonstra mais intimidade com outras línguas, parecendo que domina não só o português, mas o estrangeiro também.
Se a população está agregando ao seu vocabulário cada vez mais palavras estrangeiras, enquanto desconhece a própria língua, o problema está no que causa isto tudo, e não na conseqüência. Estrangeirismo é apenas uma conseqüência da crescente convivência, absorvendo diversos costumes, com a cultura norte-americana. Herdamos muitas características do nosso vizinho estadunidense, como a arquitetura atual da cidade, o hábito de andar em grupos, tribos urbanas que provém daquela cultura, há grande contato com a música ianque muito mais do que com a de outros países, as comidas rápidas ou semiprontas, a grande audiência de filmes hollywoodianos etc.
Tudo encaminha a uma interseção de línguas: em alguns pontos bem dosada; em outros, exageradamente inútil. Diante dessa relação costumeira do uso, mesmo que indevido, proibir estrangeirismos por lei seria tão inútil quanto proibir desvios gramaticais ou gírias. Será que realmente vale a pena este confronto? Não seria melhor pensar por que uma pessoa prefere um termo estrangeiro em vez do nacional? São pontos, logicamente, muito mais difíceis de serem tocados. Talvez por isso sejam ignorados.
Adriano Senkevics

quinta-feira, 9 de julho de 2009

Precisão

O que me tranquiliza
é que tudo o que existe,
existe com uma precisão absoluta.
O que for do tamanho de uma cabeça de alfinete
não transborda nem uma fração de milímetro
além do tamanho de uma cabeça de alfinete.
Tudo o que existe é de uma grande exatidão.
Pena é que a maior parte do que existe
com essa exatidão
nos é tecnicamente invisível.
O bom é que a verdade chega a nós
como um sentido secreto das coisas.
Nós terminamos adivinhando, confusos,
a perfeição.
Clarice Lispector

Quadrilha

João amava Teresa que amava Raimundoque amava Maria que amava Joaquim que amava Lilique não amava ninguém.João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,Raimundo morreu de desastre, Maria ficou pra tia,Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandesque não tinha entrado na história.

Drummond

Relato pessoal do livro "Capão Pecado"

Ler o livro "Capão Pecado" foi para mim uma fantástica experiência, pois o enredo do livro me remeteu a uma realidade bem distante da minha; realidade essa que é morar em uma favela e ir dormir tranquilo com barulho de tiroteio, pois aquilo é "normal". A principio não gostei muito do livro, porque ele conta uma história que se repete na vida real, mas só muda os nomes dos personagens. Para mim foi bom ler "Capão Pecado", porque ele me fez entender o que faz se repetir atrocidades (que a mídia adora noticiar) como a que o personagem Rael cometeu matando seu chefe, e vemos coisas do tipo nos noticiarios e pensamos "Ah! É um bandido! Tem que ser preso!", mas nós não queremos saber como foi a infancia do cara, não queremos saber como era sua relaçao com seus pais, se é que teve pais, e outras coisas que podem alterar o cerebro do cara. O livro me fez tambem banir o preconceito de que só há bandidos na periferia, pois ele conta histórias de pessoas honestas. De um modo geral gostei muito do livro, só de uma coisa não gostei, que é o livro não ser mais uma história ficticia e sim uma historia que é a nossa realidade de hoje.

segunda-feira, 6 de julho de 2009

O decálogo do bom corruptor


I.
Nunca ninguém perdeu dinheiro investindo na desonestidade.

II.
Só louco rasga dinheiro? Bobagem. Nem louco rasga dinheiro. Experimente jogar uma nota de cinqüenta (ou mesmo de um!) num pátio de insanos. Vai ter briga pra pegar.

III.
Como posso ser compreendido por milhões de medíocres que continuam a acreditar em caderneta de poupança?

IV.
Na nota do freguês nunca esquecer de somar também o dia e o ano. Se o freguês reclamar a gente dá outra nota e põe a diferença como desconto para clientes especiais. Os bancos fazem isso o tempo todo.

V.
O ser humano só aprendeu a contar depois que o dinheiro apareceu na face da Terra. O homem aprendeu a contar pra poder contar dinheiro.

VI.
Lucro ilícito é precaução mínima que você tem que tomar pra não ter prejuízo.

VII.
O lucro, disse o banqueiro, é minha pátria. Justificando ter se naturalizado paraguaio.

VIII.
Quanto é muito? Quanto é demais? Eu, por exemplo, que moro no Rio à beira-mar, tenho carro (1998, é verdade) e como nos melhores restaurantes, me considero um homem pobre.

IX.
Pra quem gosta de puxar, qualquer saco serve. Acaba sempre puxando o saco certo. O de dinheiro.

X.
Quando o paciente emocionado, diante do médico que lhe salvou a vida, declarou que "não tinha como lhe pagar", o médico sábio esclareceu: "Meu filho, desde que os fenícios criaram o sistema fiduciário essa questão está plenamente resolvida".



Millôr Fernandes

Fantástica Mafalda

Tirinha 413

Tirinha 411

Gourmet Nacional



Poemeu de louvor
ao bom gurmê nacional.

Se,
Já nos tempos de Cabral,
Selvagem comia bispo
Com prazer, sem ritual,
E até sem avental,
Se
Hoje pobre come rato
Como coisa natural
Se
Todos nós comemos carne
De tudo de que é animal
Se gente sempre comeu gente
E nem só por via oral
Por que culpar os ministros
Que comem 30 por cento
Comem bem ou comem mal?
Meu bem, na hora da fome,
Que de nós não é canibal?

Millôr Fernandes

Viver (Mário Quintana)

Quem nunca quis morrer
Não sabe o que é viver
Não sabe que viver é abrir uma janela
E pássaros pássaros sairão por ela
E hipocampos fosforescentes
Medusas translúcidas
Radiadas
Estrelas-do-mar... Ah,
Viver é sair de repente
Do fundo do mar
E voar...
e voar...
cada vez para mais alto
Como depois de se morrer!

sexta-feira, 19 de junho de 2009

"Dicionários" de Millôr fernandes

Dicionário Irrefletido

Abacate: Com açúcar, é considerado a fruta mais doce do Brasil.
Academia: Organização fundada, dizem, por Platão e seus amiguinhos filósofos, quando encontraram um jardim (de Academus, claro) onde podiam ensinar, sobretudo à garotada, altas ideias, e gostosas marginalidades. (Vide Sócrates. Ou não vide.)
Ano: Trezentos e sessenta e cinco dias. E seis horas de lambuja.
Antropometria: Se Protágoras estava certo quando dizia (num desvairado antropomorfismo) que o homem é a medida de todas as coisas, então o pênis dele era o sistema métrico.
Crase: "A crase não foi feita pra humilhar ninguém." (Ferreira Gullar) A crase não existe no Brasil. É uma invenção de gramáticos. Nunca ouvimos ninguém falando com crase.
Descrente: Indivíduo que crê piamente na descrença.
Especialista: O que sabe cada vez mais sobre cada vez menos. Com a descoberta da nanociência, infinitamente menos sobre infinitamente mais.
Fé: Está bem que você acredite em Deus. Mas vai armado.
Grafite: "Eu odeio grafites!" (Grafite em Roma)
História: Uma coisa que não aconteceu contada por alguém que não estava lá.
Ideologia: Bitola estreita para orientar o pensamento. Não existe pensador católico. Não existe pensador marxista. Existe pensador. Preso a nada. Pensa, a todo risco. A ideologia leva à idolatria, à feitura e adoração de mitos. E, finalmente, ao boquete ideológico.
Justiça: Sistema de leis legalizando a injustiça.
Lapidar: Verbo antigamente usado para atirar pedras em mulheres adúlteras. Hoje, desmoralizado no ocidente como punição, serve como prêmio e alto elogio: "Teu artigo, escritor, é lapidar". Também usado nos cemitérios (nas lápides) para elogios fúnebres. Não há canalhas nos cemitérios.
Medida: "Todo homem nasce duas doses abaixo do normal." (Humphrey Bogart)
Meyer: Bairro do Rio de Janeiro. Quando nasci, o Meyer era o umbigo do mundo. Vivíamos com a consciência, inconsciente, de que nunca teríamos que abandonar o bairro e a cidade (como muito mais tarde eu iria aprender que era o normal na maior parte das cidades pobres e tristes do Brasil) para sobreviver.
Ofensas: "O perdão às ofensas é uma grande virtude." (Moralismo tedioso de Machado de Assis. Do livro Pensamentos e reflexões de Machado de Assis)
Pão: O pão que o diabo amassou. Expressão incompreensível pois em nenhum lugar da Bíblia ou da História se diz que o Diabo era padeiro.
Propaganda: A madrasta da prostituição.
Televisão: Maravilha tequinológica que levou ao extremo o barateamento da popularidade. Criando a glória prêt-à-porter.
Variante: O gay põe sempre o carro adiante dos boys.





Dicionário etimoLÓGICO I

Dicionário Português-Português

Armarinho - Vento que vem do mar.
Barganhar - Herdar um botequim.
Barracão - Cidadão que proíbe a entrada de cães.
Cerveja - Sonho de toda revista.
Coitado - Estuprado.
Democracia - Sistema de governo do inferno.
Detergente - Ato de deter pessoas.
Homossexual - Sabão em pó para lavar partes íntimas.
Missão - Culto religioso desses que enchem o saco.
Padrão - Padre muito alto.
Presidiário - Indivíduo preso todos os dias.
Unção - Um que não está doente.


Dicionário etimoLÓGICO II

Comerciante - Se alimenta em frente.
Comensal - Se alimenta com cloreto de sódio.
Comichão - Devora terra.
Comodista- A que distância fica?
Comover - Maneira de olhar.
Compenetrar - Entrar a pé.
Competição - Tem um pé de crioulo.
Consumo - O que ainda não foi expremido.
Convocação- Tem avô de filhote de tubarão.
Demolição- Aula do diabo.
Demover - Olhar o diabo.
Desenvolta - Dez pessoas cercando uma.
Desespero - Aguardo uma dezena.
Destroços - Uma dezena de coisas.
Dogmatizar - Misturar cães ingleses.
Filatelia - Tomava conhecimento de tuas idéias o pessoal que esperava um atrás do outro.
Informação - Está se fazendo.
Janota - Começa a perceber.
Jogador - Sujeito que arrisca a dor alheia.
Leiteria - Possuiria postulados legais.
Manutenção - O nervosismo do irmão.
Maratona - À superfície do oceano.
Marfim - Onde acaba o oceano.
Mortificar - Transformar-se em defunto.
Novecentos - Sujeito que vê centenas de nós por toda parte.
Obtemperar - Fazer salada com a letra B.