segunda-feira, 18 de maio de 2009

Gregório de Matos, o "Boca do Inferno"

Poesia satírica

O “Boca do Inferno” não perdoava ninguém: ricos e pobres, negros, brancos e mulatos, padres, freiras, autoridades civis e religiosas, amigos e inimigos, todos, enfim, eram objeto de sua “lira maldizente”.

O governador Câmara Coutinho, por exemplo, foi assim retratado:

“Nariz de embono

com tal sacada,

que entra na escada

duas horas primeiro

que seu dono.”

Contudo, o melhor de sua sátira não é esse tipo de zombaria, engraçada e maldosa, mas a crítica de cunho geral aos vícios da sociedade. Sua vasta galeria de tipos humanos contribui para construir sua maior e principal personagem - a cidade da Bahia:

“Senhora Dona Bahia,

nobre e opulenta cidade,

madrasta dos naturais,

e dos estrangeiros madre.”

A cidade é assim descrita num poema:

“Terra que não aparece

neste mapa universal

com outra; ou são ruins todas,

ou ela somente é má.”

Mas nem sempre o poeta é rancoroso com sua cidade. No famoso soneto “Triste Bahia”, já musicado por Caetano Veloso, Gregório identifica-se com ela, ao comparar a situação de decadência em que ambos vivem. O poema abandona o tom de zombaria das sátiras para tornar-se um quase lamento:

“Triste Bahia! ó quão dessemelhante

Estás e estou do nosso antigo estado!

Pobre te vejo a ti, tu a mim empenhado,

Rica te vi eu já, tu a mim abundante.”

Depreende-se desse texto que as sátiras de Gregório de Matos esagradavam a muita gente. Por isso ele defende seu direito de escrevê-las.

Aos vícios

Eu sou aquele, que os passados anos

cantei na minha lira maldizente

torpezas do Brasil, vícios e enganos.

[.......................................................]

De que pode servir, calar, quem cala,

Nunca se há de falar, o que se sente?

Sempre se há de sentir, o que se fala?

Qual homem pode haver tão paciente,

Que vendo o triste estado da Bahia,

Não chore, não suspire, e não lamente?

[..........................................................]

Se souberas falar, também falaras,

Também satirizaras, se souberas,

E se foras Poeta, poetizaras.

A ignorância dos homens destas eras

Sisudos faz ser uns, outros prudentes,

Que a mudez canoniza bestas feras.

Há bons, por não poder ser insolente,

Outros há comedidos de medrosos,

Não mordem outros não, por não ter dentes.

Quantos há que os telhados têm vidrosos,

E deixam de atirar sua pedrada

De sua mesma telha receosos.

Uma só natureza nos foi dada:

Não criou Deus os naturais diversos,

Um só Adão formou, e esse de nada.

Todos somos ruins, todos perversos,

Só nos distingue o vício, e a virtude,

De que uns são comensais outros adversos.

Quem maior a tiver, do que eu ter pude,

Esse só me censure, esse me note,

calem-se os mais, chitom, e haja saúde.

Vocabulário

canonizar: considerar santo, incluir no rol dos santos;

quem maior a tiver: quem tiver virtude maior;

chitom: silêncio (do francês “chut donc”)


fonte:http://www.portrasdasletras.com.br/pdtl2/sub.php?op=literatura/docs/gregoriodematos

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