segunda-feira, 11 de maio de 2009

Diversidade linguistica

Santos nomes em Vãos
Drama verídico e gerado por virgulazinhas mal postas, cúmplices de tantas reticências.
Praxedes é gramático. Aristarco também. Com esses nomes não poderiam ser cantores de
rock. Os dois trabalham num jornal – Praxedes despacha as questiúnculas à tarde. Aristarco,
à noite. Um jamais concordou com uma vírgula sequer do outro, e é lógico que seja assim.
Seguem correntes diversas. A gramática tem isso: é democrática. Permitindo mil versões, dá quem sustenta uma delas o prazer de vencer.
Praxedes é um santo homem, Aristarco também. Assinam listas, compram rifas, ajudam
quem precisa. E são educados. A voz dos dois é mansa, quase um sussurro. Mas que ninguém se atreva a discordar de um pronome colocado por Praxedes. Ou de uma crase posta por
Aristarco. Se a conversa ameaça escorregar para os verbos defectivos ou para as partículas
apassivadoras, melhor escapar enquanto dá. Porque aí cada um deles desanda a bramir como
um leão. [...]
Para que os dois não se matem, o chefe pôs cada um num horário. Praxedes, mais liberal
(vendilhão, segundo Aristarco), trabalha nos suplementos do jornal, que admitem uma
linguagem mais solta. Aristarco, ortodoxo (quadradão, segundo Praxedes), assume as vírgulas
dos editoriais e das páginas de política e economia. [...]
Sempre estiveram a um passo do quebra-pau. Hoje, para festa dos ignorantes e dos
mutiladores do idioma, parece que finalmente vão dar esse passo. É dia de pagamento e eles se
encontram na fila do banco. Um intrigante vem pondo fogo nos dois há já um mês e agora
ninguém duvida: nunca saberemos quem é o melhor gramático, mas hoje vamos descobrir quem
é mais eficiente no braço.
Aristarco toma a iniciativa. Avança e despeja:
— Seu patife, biltre, poltrão, pusilânime.
Praxedes responde à altura:
— Seu panaca, almofadinha, calhorda, caguincha.
Aristarco mete o dedo no nariz de Praxedes:
— É a vossa progenitora!
Praxedes toca o dedo no nariz de Aristarco:
— É a sua mãe!
Engalfinham-se, rolam pelo chão, esmurram-se.
Quando o segurança do banco chega para apartar, é tarde. Praxedes e Aristarco estão
desmaiados um sobre o outro, abraçados, como amigos depois de uma bebedeira.
O guarda pergunta à torcida o que aconteceu. Um boy que viu tudo desde o começo
explica:
— Pra mim, esses caras não é bom da bola. Eles começaram a fala em estrangero, um
estranho o otro, os dois foram se esquentando, esquentando, e aí aquele ali, ó, que também
fala brasileiro, pôs a mãe no meio. Levô uma bolacha e fico doido: enfiô o braço no focinho do
otro. Aí os dois rolô no chão.
Para a sorte do boy, Aristarco e Praxedes continuavam descordados.
Raul Drewnick. O Esta
São Paulo, OESP, 6/3/1988.do de S. Paulo – Caderno 2, pág. 2.

Este texto é um exemplo do que é a diversidade liguistica, que nada mais é do falar as coisa com outra maneira, por exemplo: se eu falar progenitora ao invés de mãe ou pusilânime ao invés de covarde.

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