terça-feira, 9 de junho de 2009

O Chuveiro

A não ser quando se atiravam nos rios em doidas nadadas eufóricas atrás de donas outro tanto, os homens nunca foram muito mesmo de banho. Banho, com sabão, toalha, água em abundância e executado de vinte e quatro horas em vinte e quatro horas, é invenção mais do que recente. E a maior parte dos franceses inda a desconhece hoje. O Brasil, porém, clima tropical, temperamento ardente, cidade maravilhosa, auriverde pendão, sol constante e céu azul, deveria ser o paraíso natural dos tomadores de banho. E o é. Pelo menos é hábito comum, desde de que se inventou o chuveiro, a gente acordar, pôr-se como Deus nos fez debaixo desse engenhoso aparelho, molhar o corpo e ensaboá-lo. Depois do corpo ensaboado o tomador de banho tem então a veleidade conseqüente de lhe tirar o sabão. E é aí que entramos com a falta d'água. Sim, pois a água que cai inicialmente é só aquelinha que fica enganadoramente no cano. Conseqüência, pois, da descoberta do chuveiro: invenção de milhares e milhares de palavras novas, geralmente esdrúxulas e interjectivas, as quais vêm sistematicamente enriquecendo o vernáculo embora os dicionários teimem em não registrá-las.

Millôr Fernandes

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